nDm 16 | 15.set.2022
A 16.ª edição da newDATAmagazine® foi publicada a 15 de setembro de 2022.
MENSAGEM DO DIRETOR
Cidades, pessoas e dados
A necessidade do viver plural no urbano inteligente
O desafio colocado pela newDATAmagazine®, para preparar um número especial sobre cidades e dados, foi aceite com bastante gratidão, mas, por outro lado, alguma apreensão resultante da possibilidade de desdobramentos temáticos que o planeamento urbano também com dados pode ter. As múltiplas focagens que esta problemática permite explorar constam das colunas mensais que assino nesta revista – e não estão esgotadas! Apenas afloradas. Assim, seguidamente, deixo breves notas sobre os âmbitos das colunas que redigi até este número especial, para síntese das de ideias-chave nelas constantes.
Na primeira coluna frisei que a vida urbana e a interação socioespacial gera fluxos e dados que importa integrar no planeamento e na gestão inteligente de cidades e na construção coletiva de territórios de partilha. No mês seguinte, em junho de 2021, destaquei que a cidadania de ação necessita conter o diálogo com todos em situação de desestruturação, quer sociocultural, quer urbana, envolvendo-os no codesenho de soluções partilhadas.
O empoderamento cidadão, com tecnologias interativas, incrementa a democracia digital e afronta a infoexclusão no quadro de pobreza urbana, exclusão social, estigmatização cultural, preconceito de género e segregação espacial.
A cidadania de ação, a transformação digital e o empoderamento cidadão com métodos digitais devem convergir na participação cidadã híbrida, direcionada para a construção conjunta de vivências e para um novo compromisso comum sobre a cidade das pessoas. Em julho do ano passado, reforcei ainda que, escrutinando o horizonte próximo, se antevê que não perdurará o planeamento das cidades sem a cocriação da urbanização devidamente apoiada em dados.
Na coluna de agosto de 2021, comentei que os quadros técnicos dos municípios têm um universo de conhecimento novo a desbravar na senda da integração de dados nas suas rotinas de atividades realizadas na administração local e no ordenamento do território. No mês seguinte, comentei que o codesenho e a gestão inteligente da urbanização, articulada com a cocriação da cidade humanizada, será a chave para que a digitalização em curso do habitar seja orientada em sentido colaborativo, coletivo e inclusivo.
No mês seguinte, referi que o codesenho e a gestão inteligente da urbanização vindoura, articulada com a cocriação da cidade humanizada, poderá ser a chave para que a digitalização em curso do habitar, apoiada pelo avanço tecnológico, seja orientada em sentido colaborativo, coletivo e inclusivo. Em outubro, sobre a relação inovação e performance sinérgica, frisei a transformação digital no quadro das organizações, que, para ter densidade e ser robusta, terá que envolver todos numa dinâmica muito compreensiva e solidária, assente em orgânicas hierárquicas distendidas, menos rígidas e com trabalhadores digitalmente empoderados. Os procedimentos convergirão com a tecnologia e o digital e a atualização de conhecimentos por parte de todos deverá ser colaborativa e partilhada. Na coluna seguinte, sobre planeamento, dados e monitorização, enquadrei o exercício holístico do planeamento, combinando indicadores de edificabilidade, rede de espaços públicos, vias, equipamentos, entre outros, na “ecologização” urbana e humanização da cidade. Destaquei ainda que o desfasamento entre o tempo longo de vigência dos planos e a rapidez com que muda o território precisa da mediação dos dados e da monitorização. No último mês de 2021, quanto aos dados na humanização inteligente da cidade, salientei que o desdobramento do viver urbano entre o físico e o virtual, coadjuvado com o acesso livre, em rede e gratuito a informação útil para decisões diárias, exige a conjugação do quantitativo no qualitativo na humanização da cidade (quanti-qualitativa).
Já este ano, comecei por abordar o contributo dos dados na descarbonização das cidades, em que o planeamento e gestão inteligente, os novos paradigmas de mobilidade, as novas formas de viver e de trabalhar, a “ecologização” dos ambientes construídos, a transformação energética, o potencial da imersão tecnológica, a digitalização do quotidiano, a humanização dos espaços urbanos, o viver urbano de proximidade, o mix funcional, a urbanização solidária e intergeracional, a economia circular, entre tantas outras “palavras-chave”, podem conter estratégias significantes para a descarbonização. Alertei, no entanto, que podem também não passar de uma cacofonia de boas intenções cheias de jargão. No segundo mês de 2022, incidindo sobre a mobilidade urbana inteligente, dei nota que esta exigirá, dos decisores políticos, dos técnicos que planeiam e gerem a cidade, das empresas e indústrias, até aos que circulam na cidade nos seus quotidianos, uma mentalidade que implicará rever hábitos de circulação ainda enraizados, mas desfasados do que a realidade exige.
Avançando para a correlação entre dados, interoperabilidade e ontologias, em março escrevi que plataformas digitais precisam de dados em sistemas funcionais, sequenciais e hierárquicos, com descrição e estruturação de informação em modo partilhado (quanto a protocolos e procedimentos), assentes em modelos de trabalho sistemáticos e multiescalas. Nesta senda, no mês seguinte, foquei a respetiva coluna nas ontologias BIM, reforçando como são necessárias enquanto representação abstrata na visualização de conceitos e no estabelecimento de relações (ao analisar dados) e no projeto com informação associada (incluindo transações de dados, informações e conhecimento semântico).
Em maio último, apresentei o 6.º Simpósio Internacional em Métodos Formais (6FMA) em Arquitetura e Urbanismo e, já em junho, na continuidade do 6FMA, refleti sobre os dados e a digitalização dos setores da Arquitetura e do Urbanismo (A&U), em que o código, a computação, o projeto holístico e recursivo, de base info-digital, bem como a consolidação do recurso não só a logaritmos no projeto em A&U, bem como do machine learning e da Inteligência Artificial, constituem campos de investigação a seguir por serem estruturantes para aquilo que se perspetiva venha a ser o setor da A&U, com sociedades mais interrelacionadas e complexas.
Por fim, na última coluna prévia a este número especial, explorei a noção de Green Information Modelling (GIM), considerando que o tempo para se proceder a mudanças “tectónicas” no modo como se planeiam, gerem e se vive as cidades e seus territórios está com um intervalo de atuação muito reduzido para se se consubstanciar uma visão ampla e plural sobre os sistemas que fazem funcionar a urbanização, de modo a neles acomodar dados que, pela respetiva partilha e convergência, contribuem para melhor informar quem sobre ela decide. A construção integrada e sistémica do “verde” é tão importante como a do edificado, das infraestruturas/ruas, dos espaços públicos inclusivos, equipamentos, serviços – e, via GIM, tem que estar em e entre todos estes.
Assim chegados a este número especial, os conteúdos apontados nas páginas anteriores perfazem partes de um elenco mais vasto de conhecimento sobre cidades “verdadeiramente inteligentes”, que exigem que se esqueça tudo o que nos disseram no século XX sobre como seria o século XXI. Horácio Lopes e José Nuno Beirão, nos respetivos artigos, chamam a atenção para a urgência em se repensar convicções, paradigmas, modos de fazer, orientações e estratégias, aprendizagem formação, que recaiam sobre o quotidiano das cidades, salientando o quanto a celeridade das transformações que assentimos obriga a não nos acomodarmos à certeza dos fenómenos e dos contextos, realidades e atores.
Seguidamente, neste número, encontra-se uma sequência de textos sobre como, no município de Matosinhos, a questão dos dados e da administração local e do planeamento urbano municipal está a ser equacionada e colocada em prática. É o município no qual desenvolvo a minha atividade profissional como chefe da Divisão de Planeamento e, portanto, posso dar testemunho do trabalho que está a ser feito a este nível. Remata estes os dois artigos sobre a Câmara Municipal de Matosinhos o texto sobre a iniciativa os melhores municípios para viver.
Após a sequência de colunas que assinei para a newDATAmagazine® – cujo conteúdo comentei no início deste texto de abertura/apresentação deste número especial – destaque para o artigo sobre Technology use, monitoring and control, sublinhando a ligação entre a necessidade de conhecer e usar tecnologia profissionalmente, mas também na vida diária das cidades.
Referência ainda à mais recente oferta formativa na área da A&U na cidade do Porto, o Mestrado Integrado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Portucalense. Este novo curso contempla uma estrutura curricular que balanceia ensinamentos e conhecimento da arquitetura vernácula, do património e da reabilitação, da forma urbana e do planeamento das cidades, da sustentabilidade e das alterações climáticas, da tecnologia e do digital. É ainda o único Mestrado Integrado que confere grau em Arquitetura e Urbanismo.
O número especial termina com as secções sobre escrita académica, business inteligence, transição digital, próximas edições e submissão de conteúdos.
Este número especial sintetiza mais de um ano e quatro meses de colaboração com a newDATAmagazine®, onde se tem procurado alvitrar, desde a primeira coluna que redigi, alguns dos horizontes com os quais as atividades de A&U necessariamente se depararão, desde a escala da cidade até ao contexto do doméstico.
Como nota final, resta deixar claro que os conteúdos que gravitam a coluna i.data_cities não são totais, nem tão pouco excludentes. Pelo contrário, visam abrir perspetivas e percursos cruzados entre os processos de urbanização, o planeamento urbano, a gestão das cidades, as vivências e dinâmicas do dia-a-dia urbano, bem como da emergência de problemáticas a tudo isto associadas (como crises socioeconómicas e/ou ambientais) que acrescentam enormes desafios ao pensar e construir, de modo o mais inteligente possível, o chão-comum que todos habitamos.
O futuro afigura-se com um horizonte repleto de constrangimentos, limitações e dificuldades que não devem ser escamoteadas, minoradas, nem – muito menos – ignoradas e/ou esquecidas. Conhecer as circunstâncias das mesmas, saber como as enquadrar e relacionar, experimentar avanços os mais adequados e ajustados possível à melhoria dos ambientes construídos, é uma tarefa que pode ser paralisadora, mas também estimulante e despertadora de novos caminhos para o amanhã. A chave entre a estagnação e o avançar terá que contar com o contributo dos dados e com a inteligência com que os utilizamos.
David Leite Viana