Page 9 - newDATAmagazine | 06>10>2021
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Foi a estocada final no produto português e,
         talvez  mais  profunda,  na  alma  dos  nossos
         engenheiros e empresários da época.
            A  internacionalização  planeada  também

         estava  dependente  da  decisão  do  governo
         português  e  não  me  parece  que  tenha  sido
         tentada  qualquer  iniciativa  independente.  A
         fábrica decidiu, então, voltar à produção das
         velhas  alfaias  agrícolas,  agora  já  um  pouco
         desatualizadas  e  com  um  mercado  em
         contração. Fez-se um acordo com a Braud e

         ainda  se  produziram  (ou  melhor,  montaram)
         algumas  ceifeiras  debulhadoras,  com  pouca         Nada  comparável  à  dos  velhos  tempos.  O
         incorporação  da  engenharia  local  e  sem           Tramagal é hoje uma aldeia vulgar, dependente
         grande sucesso comercial. Terminaram assim            de  pequenas  indústrias,  de  serviços  e  da
         quase 100 anos de prosperidade.                       vinicultura.
            E tudo isto para explicar que, afinal, julgo

         que  já  sei  porque  não  gosto  de  história.  Ela
         lembra-me a repetição de coisas más.                         Gosto  muito  dos  estrangeiros,
            Mas  nós,  humanos,  com  a  nossa                     especialmente  alemães  e  japoneses.
                                                                   Mas gostava que percebêssemos que
         capacidade  criativa,  temos  esse  invulgar              somos  igualmente  bons,  e  até
         talento de melhorar com os erros e inventar               melhores, em muitas coisas. O que nos

         novas formas de avançar.                                  falta, muitas vezes, é essa perceção e a
            Muita  indústria  de  elevada  incorporação            defesa  máxima  do  nosso  valor
         nacional  (incluindo  a  do  software)  atravessa         acrescentado.  Falta-nos,  afinal  e
         hoje  uma  encruzilhada  semelhante  à  da                apenas, mais inteligência económica.
         Berliet-Tramagal:

            Exportar ou desaparecer.                              A  história,  ou  melhor,  a  minha  visão  da
            Ou então assumir uma atitude pedagógica,           história,  parece  implacável.  Todavia,  é  a

         dirigida  aos  nossos  decisores  e  à  opinião       economia  local  que  manda  na  política,  no
         pública, em geral, uma vez que persistem no           sistema financeiro e na qualidade de vida das
         governo os tais fãs da DAF e da Mercedes e,           pessoas,  nas  regiões  onde  moram.  E  não  o
         para agravar a situação, há muito votante que         contrário, por mais histórias que nos contem.
         continua a acreditar que o melhor é viver (e          Aliás,  acho  que  sempre  assim  foi  e  sempre
         deixar  seus  filhos)  na  mesma  pobreza  dos         assim será. Prosperidade e inteligência estão
         seus avós, de mão estendida ao estrangeiro, a         correlacionadas.
         troco de uns brindes ocasionais.

            Não  tenho  nada  contra  a  Mercedes  ou                            Carlos Costa
         contra  a  Mitsubishi  Fuso  Trucks,  que  hoje                         Marketing & Partnership
         opera nas antigas instalações da Berliet, com                           Development Manager na
                                                                                 Quidgest
         uma  pequena  incorporação  de  valor  local.                               Perfil | Profile


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